domingo, 27 de janeiro de 2013

Reconstrução mamária imediata com músculo dorsal é segura, aponta tese




Procedimento não traz complicações pós-cirúrgicas e promove benefícios à qualidade de vida das mulheres

Isabel Gardenal

O câncer de mama, dependendo do seu grau de comprometimento, pode demandar uma intervenção cirúrgica como a mastectomia, para retirada total da mama, associada ou não à remoção dos gânglios linfáticos da axila. Ela pode estar ainda associada à cirurgia plástica para reconstrução mamária, conforme indicação médica. Em termos de funcionalidade física, é normal haver redução da movimentação do braço após a mastectomia, mas ainda não se sabia com certeza o quanto uma reconstrução poderia repercutir ou adicionar prejuízos à mobilidade dessas mulheres.
Um estudo de doutorado da FCM (Faculdade de Ciências Médicas), defendido dentro do Programa de Pós-Graduação em Tocoginecologia pela fisioterapeuta Riza Rute de Oliveira, demonstrou que a reconstrução mamária imediata (ela também pode ser feita meses depois) com músculo grande dorsal (retirado da região das costas e que atua no braço) é segura do ponto de vista de sua movimentação, não traz complicações pós-cirúrgicas e promove benefícios à qualidade de vida das mulheres.
Essas conclusões foram possíveis graças a uma avaliação de 104 mulheres mastectomizadas, das quais 47 se submeteram à reconstrução imediata com músculo grande dorsal associado à prótese de silicone no Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti Caism, enquanto outras 57 passaram unicamente por mastectomia.
A pesquisa apontou que não houve perda funcional do braço e que o procedimento pode ser uma boa opção de reconstrução. Segundo o oncologista Luis Otávio Zanatta Sarian, orientador da tese, hoje há três tipos mais usuais de reconstrução: a Tram, que utiliza músculo da barriga; a Grande Dorsal, que emprega músculo das costas, e o expansor ou prótese.

Seguimento
Os estudos da literatura até então traziam metodologias retrospectivas de baixa qualidade e sem uma perspectiva longitudinal. Também as casuísticas eram muito menores e, na maioria, norte-americanas e europeias. O Brasil ainda não tinha dado sua contribuição.
No Caism, a reconstrução com o grande dorsal passou a ser a mais utilizada, permitindo a elaboração de um estudo longitudinal que respondeu algumas dúvidas sobre este tipo específico de reconstrução.
A doutoranda fez um estudo prospectivo entre 2007 e 2010, no qual foram incluídas todas as mulheres com até 70 anos submetidas à mastectomia no hospital, acompanhadas até um ano após o procedimento e avaliadas no pré-operatório, semanalmente até completar um mês e novamente aos três, seis e 12 meses.
Nesses períodos, verificou-se como se comportava a movimentação do braço, as complicações pós-operatórias e a qualidade de vida entre quem fazia reconstrução mamária imediata e quem não fazia.
Para avaliar a movimentação do ombro, foi adotado um goniômetro para medir a flexão (elevação frontal do braço) e a abdução (elevação lateral do braço) – movimentos mais usados no dia a dia. A pesquisadora explica que pessoas livres da doença têm amplitude completa de 180º tanto para flexão quanto para abdução.
No pré-operatório, a maioria das pacientes tinha o movimento de 180º completo. Mas, na primeira semana após a cirurgia, perdia-se essa amplitude, ficando com os movimentos em torno de 135º ou 145º.
Durante o primeiro mês após a cirurgia, todas as mulheres integravam um programa de fisioterapia para o braço no Caism, que consistia de 19 exercícios protocolados, conduzidos em grupo, que incluíam alongamentos, exercícios para o ombro e que finalizavam com relaxamento.
Após um mês, elas atingiam uma recuperação entre 150º e 160º, e muitas conseguiam realizar a maioria das atividades. “Todas as mulheres eram então orientadas a praticar diariamente os exercícios em casa, para manter a amplitude atingida ou recuperar o restante”, expõe a doutoranda. Mas, em caso de necessidade, o atendimento fisioterapêutico podia prosseguir.
Riza dimensiona que é muito importante que elas recuperem a movimentação inclusive do ombro pela independência física e pela necessidade de continuar o tratamento do câncer. Muitas delas necessitam passar por radioterapia, e o seu posicionamento durante este procedimento exige manter o braço aberto.
Alguns resultados não tardaram a surtir efeito. Mesmo não havendo diferença estatisticamente na recuperação do movimento entre os grupos, as mulheres reconstruídas tiveram uma recuperação um pouco melhor e menos complicações pós-operatórias do tipo deiscência cicatricial (quando a cicatriz abre) e aderência tecidual do que as só mastectomizadas.
A qualidade de vida delas foi avaliada a partir do questionário WHO-QOL 100 (World Health Organization – Quality of Life), contendo 100 questões, divididas em domínios ou áreas: domínio psicológico, físico e do nível de dependência, entre outros. Por meio dele, notou-se que mulheres reconstruídas tiveram melhor pontuação nos aspectos psicológicos e apresentaram nível de independência equivalente ao das outras mulheres (todas foram capazes de fazer as mesmas atividades nos dois grupos).

Realidade
De acordo com Luis Otávio, a reconstrução mamária no Brasil deve se tornar uma obrigatoriedade nos serviços de referência no tratamento desse câncer. “Os impactos benéficos, já testados, contribuíram muito para a qualidade de vida das pacientes”, diz.
Por outro lado, aspectos técnicos da mobilidade da mulher e de sua capacidade de realizar funções do dia a dia não tinham sido avaliados da maneira metodologicamente correta. Havia apenas estudos indicando complicações sobre a biópsia de linfonodos-sentinelas (o primeiro gânglio linfático a drenar o sítio do tumor), mas nenhuma abordando a reconstrução mamária.
Esse estudo foi inédito e avaliou ao longo do tempo a recuperação do movimento das mulheres submetidas à reconstrução imediata, uma das fases mais delicadas na decisão da paciente, por mexer com grande parte da musculatura que exerce influência sobre o braço e os ombros.
Mas, a despeito dos benefícios que o procedimento promove, há contraindicações à reconstrução imediata em estágios muito avançados da doença. Outro percalço é a rejeição decorrente de complicações, apesar de mínima (que depende do tipo de reconstrução). A própria prótese de silicone pode ser um empecilho.
Quando é efetuado um retalho, em que se tira a pele e o músculo de uma região para recolocar em outra, essa transferência pode levar à necrose e a infecções. Conforme o Food and Drugs Administration (FDA), o índice de infecção em implantes de silicone é de 1% a 2%, em um intervalo pós-operatório de um ano.
Neste momento, estão saindo novas normatizações no Brasil preconizando que os tratamentos de câncer de mama pelo SUS vão ter obrigatoriedade de oferecer as reconstruções mamárias. Hoje, alguns serviços, como o Caism, já financiam as próteses.

Evolução
Segundo tipo mais comum, após o câncer de pele, o câncer de mama entre as mulheres responde por 22% dos casos novos a cada ano (a estimativa do Instituto Nacional do Câncer foi de 52.680 casos novos no país em 2012 e a sobrevida média após cinco anos é de 61%) A sua incidência está aumentando e isso se atribui às mulheres que estão tendo menos filhos, mais tardiamente e vivendo mais.
“As taxas de mortalidade continuam elevadas porque a doença é diagnosticada em estádios mais avançados”, lamenta o oncologista. Relativamente raro antes dos 35 anos, acima desta idade sua incidência cresce rapidamente. As mulheres que têm filhos depois disso têm um risco em torno de 50%, todavia não significa que desenvolverão a doença.
É mais suscetível a mama que fica por maior tempo sem cumprir o seu completo desenvolvimento, que ocorre quando a mulher fica grávida. Para esse tipo de câncer há ainda a influência de fatores ligados ao ambiente, como a obesidade, contudo em especial conta muito o fato de as pessoas viverem mais.
Quase todos os cânceres, pontua Luis Otávio, têm relação com a idade, tanto que, quanto mais tempo se vive, mais chances há de desenvolvê-los, isso tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. As mulheres diagnosticadas precocemente, salienta, têm uma probabilidade de sobreviver ao câncer de mama em mais de 95% dos casos, porque os tratamentos atuais e as tecnologias vêm sendo efetivos. Entretanto, as condutas terapêuticas variam.
A priori o tratamento do câncer pode ser cirúrgico e depois medicamentoso. Em algumas situações, indica-se quimioterapia, em outras bloqueador hormonal e em outras ainda a mulher pode receber anticorpos contra proteínas que o câncer produz.
Até o momento não se fala de vacinas. A última palavra em medicamento é o herceptin (nome comercial), distribuído pelo SUS. Mais ou menos 30% das mulheres são tratadas com essa droga, que produz involução dos tumores. No câncer avançado, mostrou que auxilia no controle da doença, prolonga a sobrevida e melhora a qualidade de vida das mulheres, passando a ter menos sintomas, hospitalizações, etc.
Riza relembra que a mama representa funções elementares: a feminilidade das mulheres, a sexualidade e a maternidade; e que a sua extirpação afeta sobretudo a sexualidade, pois a maior parte delas nessa fase já ultrapassou a fase da maternidade, o que vem a prejudicar mais a sua imagem corporal.
Já alguns tipos de câncer de mama atingem mulheres na faixa dos 30 anos, em função de um componente familiar, e em torno de 85% esporadicamente, partindo de alterações adquiridas com o tempo, depois dos 50 anos. São de motivação epidemiológica, pela exposição a uma causa que não se sabe ao certo. Agora, uma mulher que teve dez filhos, menarca tardia, menopausa precoce e que não é obesa também pode ter esse câncer, embora não seja a situação mais comum.

Referência
Para cada tipo de mama, existe um tipo ideal de reconstrução. No Caism ela é feita pelos oncologistas com os cirurgiões plásticos – a equipe de Oncoplástica. Além dos vários profissionais, o hospital tem um serviço que é, dentro do interior do Estado, o que mais recebe casos de câncer de mama, o que qualifica a assistência, acredita Luis Otávio. O atendimento ambulatorial acontece diariamente. A mulher é encaminhada pela rede de saúde. Esse serviço oferece todos os tipos de reconstrução mamária, consoante à necessidade da mulher.

Tese: “Amplitude de movimento do ombro, complicações pós-operatórias e qualidade de vida de mulheres submetidas à mastectomia e reconstrução mamária imediata”
Autora: Riza Rute de Oliveira
Orientador: Luis Otávio Zanatta Sarian
Unidade: FCM

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