Procedimento
não traz complicações pós-cirúrgicas e promove benefícios à qualidade de vida
das mulheres
Isabel
Gardenal
O câncer de
mama, dependendo do seu grau de comprometimento, pode demandar uma intervenção
cirúrgica como a mastectomia, para retirada total da mama, associada ou não à
remoção dos gânglios linfáticos da axila. Ela pode estar ainda associada à
cirurgia plástica para reconstrução mamária, conforme indicação médica. Em
termos de funcionalidade física, é normal haver redução da movimentação do
braço após a mastectomia, mas ainda não se sabia com certeza o quanto uma
reconstrução poderia repercutir ou adicionar prejuízos à mobilidade dessas
mulheres.
Um estudo de
doutorado da FCM (Faculdade de Ciências Médicas), defendido dentro do Programa
de Pós-Graduação em Tocoginecologia pela fisioterapeuta Riza Rute de Oliveira,
demonstrou que a reconstrução mamária imediata (ela também pode ser feita meses
depois) com músculo grande dorsal (retirado da região das costas e que atua no
braço) é segura do ponto de vista de sua movimentação, não traz complicações
pós-cirúrgicas e promove benefícios à qualidade de vida das mulheres.
Essas
conclusões foram possíveis graças a uma avaliação de 104 mulheres
mastectomizadas, das quais 47 se submeteram à reconstrução imediata com músculo
grande dorsal associado à prótese de silicone no Hospital da Mulher Prof. Dr.
José Aristodemo Pinotti Caism, enquanto outras 57 passaram unicamente por
mastectomia.
A pesquisa
apontou que não houve perda funcional do braço e que o procedimento pode ser
uma boa opção de reconstrução. Segundo o oncologista Luis Otávio Zanatta
Sarian, orientador da tese, hoje há três tipos mais usuais de reconstrução: a Tram,
que utiliza músculo da barriga; a Grande Dorsal, que emprega músculo das
costas, e o expansor ou prótese.
Seguimento
Os estudos
da literatura até então traziam metodologias retrospectivas de baixa qualidade
e sem uma perspectiva longitudinal. Também as casuísticas eram muito menores e,
na maioria, norte-americanas e europeias. O Brasil ainda não tinha dado sua
contribuição.
No Caism, a
reconstrução com o grande dorsal passou a ser a mais utilizada, permitindo a
elaboração de um estudo longitudinal que respondeu algumas dúvidas sobre este
tipo específico de reconstrução.
A doutoranda
fez um estudo prospectivo entre 2007 e 2010, no qual foram incluídas todas as
mulheres com até 70 anos submetidas à mastectomia no hospital, acompanhadas até
um ano após o procedimento e avaliadas no pré-operatório, semanalmente até
completar um mês e novamente aos três, seis e 12 meses.
Nesses
períodos, verificou-se como se comportava a movimentação do braço, as complicações
pós-operatórias e a qualidade de vida entre quem fazia reconstrução mamária
imediata e quem não fazia.
Para avaliar
a movimentação do ombro, foi adotado um goniômetro para medir a flexão
(elevação frontal do braço) e a abdução (elevação lateral do braço) –
movimentos mais usados no dia a dia. A pesquisadora explica que pessoas livres
da doença têm amplitude completa de 180º tanto para flexão quanto para abdução.
No
pré-operatório, a maioria das pacientes tinha o movimento de 180º completo. Mas,
na primeira semana após a cirurgia, perdia-se essa amplitude, ficando com os
movimentos em torno de 135º ou 145º.
Durante o
primeiro mês após a cirurgia, todas as mulheres integravam um programa de
fisioterapia para o braço no Caism, que consistia de 19 exercícios
protocolados, conduzidos em grupo, que incluíam alongamentos, exercícios para o
ombro e que finalizavam com relaxamento.
Após um mês,
elas atingiam uma recuperação entre 150º e 160º, e muitas conseguiam realizar a
maioria das atividades. “Todas as mulheres eram então orientadas a praticar
diariamente os exercícios em casa, para manter a amplitude atingida ou
recuperar o restante”, expõe a doutoranda. Mas, em caso de necessidade, o
atendimento fisioterapêutico podia prosseguir.
Riza
dimensiona que é muito importante que elas recuperem a movimentação inclusive do
ombro pela independência física e pela necessidade de continuar o tratamento do
câncer. Muitas delas necessitam passar por radioterapia, e o seu posicionamento
durante este procedimento exige manter o braço aberto.
Alguns
resultados não tardaram a surtir efeito. Mesmo não havendo diferença
estatisticamente na recuperação do movimento entre os grupos, as mulheres
reconstruídas tiveram uma recuperação um pouco melhor e menos complicações
pós-operatórias do tipo deiscência cicatricial (quando a cicatriz abre) e
aderência tecidual do que as só mastectomizadas.
A qualidade
de vida delas foi avaliada a partir do questionário WHO-QOL 100 (World Health
Organization – Quality of Life), contendo 100 questões, divididas em domínios
ou áreas: domínio psicológico, físico e do nível de dependência, entre outros.
Por meio dele, notou-se que mulheres reconstruídas tiveram melhor pontuação nos
aspectos psicológicos e apresentaram nível de independência equivalente ao das
outras mulheres (todas foram capazes de fazer as mesmas atividades nos dois
grupos).
Realidade
De acordo
com Luis Otávio, a reconstrução mamária no Brasil deve se tornar uma
obrigatoriedade nos serviços de referência no tratamento desse câncer. “Os
impactos benéficos, já testados, contribuíram muito para a qualidade de vida
das pacientes”, diz.
Por outro
lado, aspectos técnicos da mobilidade da mulher e de sua capacidade de realizar
funções do dia a dia não tinham sido avaliados da maneira metodologicamente
correta. Havia apenas estudos indicando complicações sobre a biópsia de
linfonodos-sentinelas (o primeiro gânglio linfático a drenar o sítio do tumor),
mas nenhuma abordando a reconstrução mamária.
Esse estudo
foi inédito e avaliou ao longo do tempo a recuperação do movimento das mulheres
submetidas à reconstrução imediata, uma das fases mais delicadas na decisão da
paciente, por mexer com grande parte da musculatura que exerce influência sobre
o braço e os ombros.
Mas, a
despeito dos benefícios que o procedimento promove, há contraindicações à
reconstrução imediata em estágios muito avançados da doença. Outro percalço é a
rejeição decorrente de complicações, apesar de mínima (que depende do tipo de
reconstrução). A própria prótese de silicone pode ser um empecilho.
Quando é
efetuado um retalho, em que se tira a pele e o músculo de uma região para
recolocar em outra, essa transferência pode levar à necrose e a infecções.
Conforme o Food and Drugs Administration (FDA), o índice de infecção em
implantes de silicone é de 1% a 2%, em um intervalo pós-operatório de um ano.
Neste
momento, estão saindo novas normatizações no Brasil preconizando que os
tratamentos de câncer de mama pelo SUS vão ter obrigatoriedade de oferecer as
reconstruções mamárias. Hoje, alguns serviços, como o Caism, já financiam as
próteses.
Evolução
Segundo tipo
mais comum, após o câncer de pele, o câncer de mama entre as mulheres responde
por 22% dos casos novos a cada ano (a estimativa do Instituto Nacional do
Câncer foi de 52.680 casos novos no país em 2012 e a sobrevida média após cinco
anos é de 61%) A sua incidência está aumentando e isso se atribui às mulheres
que estão tendo menos filhos, mais tardiamente e vivendo mais.
“As taxas de
mortalidade continuam elevadas porque a doença é diagnosticada em estádios mais
avançados”, lamenta o oncologista. Relativamente raro antes dos 35 anos, acima
desta idade sua incidência cresce rapidamente. As mulheres que têm filhos
depois disso têm um risco em torno de 50%, todavia não significa que
desenvolverão a doença.
É mais
suscetível a mama que fica por maior tempo sem cumprir o seu completo
desenvolvimento, que ocorre quando a mulher fica grávida. Para esse tipo de
câncer há ainda a influência de fatores ligados ao ambiente, como a obesidade,
contudo em especial conta muito o fato de as pessoas viverem mais.
Quase todos
os cânceres, pontua Luis Otávio, têm relação com a idade, tanto que, quanto
mais tempo se vive, mais chances há de desenvolvê-los, isso tanto em países
desenvolvidos quanto em desenvolvimento. As mulheres diagnosticadas
precocemente, salienta, têm uma probabilidade de sobreviver ao câncer de mama
em mais de 95% dos casos, porque os tratamentos atuais e as tecnologias vêm
sendo efetivos. Entretanto, as condutas terapêuticas variam.
A priori o
tratamento do câncer pode ser cirúrgico e depois medicamentoso. Em algumas
situações, indica-se quimioterapia, em outras bloqueador hormonal e em outras
ainda a mulher pode receber anticorpos contra proteínas que o câncer produz.
Até o
momento não se fala de vacinas. A última palavra em medicamento é o herceptin
(nome comercial), distribuído pelo SUS. Mais ou menos 30% das mulheres são
tratadas com essa droga, que produz involução dos tumores. No câncer avançado,
mostrou que auxilia no controle da doença, prolonga a sobrevida e melhora a
qualidade de vida das mulheres, passando a ter menos sintomas, hospitalizações,
etc.
Riza
relembra que a mama representa funções elementares: a feminilidade das
mulheres, a sexualidade e a maternidade; e que a sua extirpação afeta sobretudo
a sexualidade, pois a maior parte delas nessa fase já ultrapassou a fase da
maternidade, o que vem a prejudicar mais a sua imagem corporal.
Já alguns
tipos de câncer de mama atingem mulheres na faixa dos 30 anos, em função de um
componente familiar, e em torno de 85% esporadicamente, partindo de alterações
adquiridas com o tempo, depois dos 50 anos. São de motivação epidemiológica,
pela exposição a uma causa que não se sabe ao certo. Agora, uma mulher que teve
dez filhos, menarca tardia, menopausa precoce e que não é obesa também pode ter
esse câncer, embora não seja a situação mais comum.
Referência
Para cada
tipo de mama, existe um tipo ideal de reconstrução. No Caism ela é feita pelos
oncologistas com os cirurgiões plásticos – a equipe de Oncoplástica. Além dos
vários profissionais, o hospital tem um serviço que é, dentro do interior do
Estado, o que mais recebe casos de câncer de mama, o que qualifica a
assistência, acredita Luis Otávio. O atendimento ambulatorial acontece
diariamente. A mulher é encaminhada pela rede de saúde. Esse serviço oferece
todos os tipos de reconstrução mamária, consoante à necessidade da mulher.
Tese:
“Amplitude de movimento do ombro, complicações pós-operatórias e qualidade de
vida de mulheres submetidas à mastectomia e reconstrução mamária imediata”
Autora: Riza
Rute de Oliveira
Orientador:
Luis Otávio Zanatta Sarian
Unidade: FCM