quinta-feira, 8 de abril de 2010

Estigma é pior que doença

Hoje é comemorado o Dia Mundial da Luta Contra o Câncer. Não pretendo falar aqui de números da doença ou de seus sintomas, mas de um lado muitas vezes esquecido: do estigma que cerca os pacientes do problema. Falo com conhecimento de causa bastante profundo: por duas vezes, aos 31 e aos 36 anos, tive câncer de mama. Hoje estou curada, mas faço exames de três em três meses para checar se não há recidiva. Não é fácil saber que, a cada 90 dias, minha vida novamente depende de resultados de exames, mas faz parte do protocolo da doença esse controle e, gostando ou não, tenho de passar por ele.
Acredito que, pior que o câncer, é o estigma que o acompanha, principalmente para as mulheres que passam pela quimioterapia e sofrem seus efeitos colaterais, ficam carecas, incham, perdem o brilho da pele. Essa semana assisti o seriado “Brothers & Sisters” e a personagem Kitty, que luta contra uma leucemia grave, começa a perder os cabelos durante uma festa. Sem dramalhão, o seriado mostrou a personagem se sentindo impotente, e ao mesmo tempo sendo corajosa ao decidir raspar a cabeça. Quando os cabelos começam a cair, Kitty chora e diz: “Não quero que as pessoas saibam que estou doente, não quero que elas me vejam assim”.
Tive o mesmo sentimento que a personagem. Sofri muito mais pela perda dos cabelos do que pela mastectomia. Não queria que as pessoas me olhassem careca, tanto que mandei fazer uma peruca assim que soube que perderia os cabelos. O interessante é que, depois que raspei a cabeça, o sofrimento acabou. Aliás, fiquei uma careca linda.
Percebi que meu medo era o que as pessoas iriam falar se me vissem assim. Como se a culpa fosse minha por estar doente! Porque uma mulher careca e inchada choca, e muito. Quando meus cabelos começaram a crescer estava começando a primavera e, por causa do calor, não conseguia mais usar a peruca. Percebia os olhares de soslaio quando entrava em algum lugar, sempre de cabeça erguida e sorrindo. Porque sempre tive o seguinte pensamento: estou doente, mas não morri, e vou viver normalmente, dentro das minhas possibilidades.
Algumas pessoas me admiravam e até mesmo vinham falar comigo e prestar solidariedade, sem sequer me conhecerem. Mas outras, fieis ao estigma de que pacientes com câncer devem ficar em casa, me olhavam de cara feia, como se fosse um insulto eu estar me divertindo em um bar ao invés de deitada na cama. Lembro de um dia em que um jovem de uns 18 anos externou isso em um tom de voz meio baixo, mas alto o suficiente para eu o ouvisse. Não tive dúvidas em me virar e dizer que, tanto quanto ele, eu tinha o direito de estar naquele bar, de tomar um chopp e, sim, de me divertir muito!
Essa visão do paciente moribundo precisa ser mudada. O doente de câncer, além do tratamento, merece um olhar de respeito, e não de pena ou de crítica por estar se divertindo. Quando estava doente, criei uma frase que me ajudou muito: como não quero que o câncer me domine, deixo que minha felicidade o enfraqueça. Eu venci a doença, e espero, um dia, que todos os pacientes consigam vencer o estigma que nos cerca.